quarta-feira, 30 de abril de 2014

Caminhos Antigos XXVIII


Operários:manufatura de chapéus

Operários, Livre Pensamento e Anticlericalismo

Naquele tempo, muitos ficarão escandalizados... (1)


Na virada do século XIX para o XX, data marcante no calendário, a população da cidade esperava os novos tempos e colocava no alto da serra do Itapeti, a cruz do século, marco da passagem centenária.

Esse momento marcava também a chegada de novos atores sociais na cidade, num espaço que era marcado, até então, pelo domínio do catolicismo, mas, desde as décadas finais do século XIX era partilhado também por pessoas ligadas a outras maneiras de ver, pensar e explicar o mundo, como por exemplo, os livres pensadores e o anticlericalismo.

Com o avanço da sociedade industrial no século XIX, do racionalismo, do pensamento científico e de novas formas de pensar o poder, se desenvolvem estas duas novas mentalidades que abrigarão na cidade de Mogi, principalmente maçons e espíritas.

Desde 1904 havia a manifestação de livre pensadores que escreviam artigos que circulavam em jornais de Mogi, como o Ypiranga, e eram reproduzidos no jornal da capital, “O Livre Pensador”: “Quem vai dizer ao povo de Mogi o que sente, o faz com verdadeiro desprendimento de seita, de agremiação religiosa, pois que aceita aquilo que a positividade da ciência pode atingir...a ação da matéria organizada.”

Outro periódico, o jornal "A Vida" começava a circular em 1906 e neste mesmo ano recebia extensa carta parabenizando o pároco local, Padre Landell de Moura, dizendo:"se todos aqueles que se dizem ministros de Cristo procedessem como sua reverendíssima, talvez hoje o cristianismo fosse uma religião aceita por todos os livres-pensadores do planeta....".

No mês seguinte uma carta anônima é publicada no mesmo jornal e dizia:"Oxala que em Mogi das Cruzes se eternize o atual vigário...tornando-se a Igreja a casa da confraternização do trabalho, e da igualdade social.Este deverá ser o desejo de todo homem justiceiro e imparcial".

Possivelmente Padre Landell era bem visto pelos espíritas, maçons e livre pensadores da cidade por ser "um padre de ciência", que dizia: "Quero mostrar ao mundo que a Igreja Católica não é inimiga da ciência e do progresso humano".Landell fora o inventor do rádio, tendo várias patentes registradas nos EUA.

Em Mogi das Cruzes, o padre-cientista, foi substituído no início de 1907, após realizar um exorcismo (possivelmente monitorado por aparelhos de sua invenção) e escandalizar a cidade conservadora.

É neste ambiente que chega à cidade em 1911, Belén de Sarraga, feminista, leitora de autores anarquistas, livre pensadora e militante anticlerical.Defendia a liberdade de consciência, a liberdade de instrução, a tolerância e os objetivos pacifistas.

Percorreu a América, do México à Argentina, passando pelo Brasil, promovendo concorridas palestras onde o tema era a mulher, família, Estado e religião.

Em Mogi das Cruzes algumas pessoas se agitavam e formaram uma comissão para trazer Belén de Sárraga à cidade, uns movidos pelo anticlericalismo das idéias de Sárraga, outros pelo humanitarismo e ainda outros pelas posições políticas sobre o poder (poder dos homens sobre as mulheres, poder de Estado, etc), pois, havia um alto índice de imigrantes espanhóis e italianos que compartilhavam destas posições.

A cidade se preparava para receber o “Anjo da Revolução” e o vigário da Matriz dizia: “Chegou nesta cidade a exploradora espanhola Bélen Sárraga, espanhola expulsa de sua pátria por causa das ideias subversivas que pregava. Os católicos desta cidade não tomaram parte nas festas dessa espanhola. As senhoras (mais de mil) protestaram contra a vinda dessa anticlerical.”

No dia 22 de junho de 1911, uma quinta-feira, Bélen de Sárraga chegava por trem de subúrbio e era conduzida ao Teatro da cidade para falar sobre um tema que envolvia formas de poder:”A família e a Igreja”.No dia seguinte, seu destino era novamente a capital e outras peregrinações em torno da liberdade e das vontades do ser.

A recepção à Belén de Sárraga foi marcada pela participação direta de membros do Centro Espírita Antônio de Pádua, fundado no dia 13 de junho de 1911 (dias antes da visita de Sarraga) e da Loja Maçônica União e Caridade, fundada um ano depois em 3 de Agosto de 1912.

É neste fervilhar de ideias que une tanta diversidade (maçons, espíritas, anarquismo, socialismo, etc.), que em 30 de novembro de 1912 mais um componente é adicionado numa “história das sensibilidades”:o nascente operariado da cidade.

Na fábrica de chapéus Villela, que funcionava em Mogi desde alguns anos, uma jovem operária de nome Maria Cabrera, possivelmente espanhola, falecera, levando o operariado a promover uma coleta de dinheiro para realizar seus serviços funerários.

Operários e populares compareceram em massa para acompanhar a “encomendação” que seria realizada na Igreja Matriz “em obediência a um velho costume da cidade”, segundo um correspondente do jornal anticlerical “A Lanterna”, que completava: o funeral, “teve uma imponência pouco comum em Mogi das Cruzes.”

Como a Matriz se encontrava com as portas fechadas, providenciaram as chaves e o sacristão começou a badalar os sinos com toques de finados.

Neste meio tempo, depois de ter jantado, o padre Benedito Marques de Freitas, alegou já ter passado da hora, negou-se a encomendar o corpo, entrou na igreja vociferando contra o sacristão e ordenando que parasse os toques de sino.

Em seguida se dirigiu as pessoas presentes na igreja (muitos acompanhavam de fora tal a lotação) e disse: ”Esta casa é minha, ponham-se lá fora e levai esse cadaver para a polícia”, outros afirmavam que as palavras do padre foram “retirem isto daqui!Não encomendo esta porqueira.Quem manda aqui sou eu.”

O fato objetivo foi que operários e populares caíram sobre o padre com socos e outras agressões, provocando a fuga para uma casa próxima da igreja, de um chefe político local, e posteriormente nova fuga para São Paulo, para não mais retornar a cidade.

Depois desse desfecho na igreja, o cortejo seguiu para o cemitério, onde um advogado de nome Artur Aguiar falou no enterro da operária, provavelmente um discurso inflamado e com conteúdo anticlerical.

Na volta do cemitério para a cidade, o povo realizou nova manifestação contra o padre e é o advogado Aguiar que foi o protagonista dos novos desdobramentos do caso.

Agredido por um "partidário do padre" numa confeitaria da cidade o advogado Aguiar relatava que o agressor ameaçara a loja maçônica União e Caridade caso fosse condenado, e completava:"Não há em Mogi quem ignore que o verdadeiro motivo desta agressão foi o ser eu maçom e livre pensador...".

A polícia abriu inquérito sem conseguir apurar nada, porem o poder local, que fora contestado, atribuía a “revolucionários há pouco tempo empregados na fábrica de chapéus”, o espancamento do padre.
operários chapeleiros em São Paulo

Em 29 de dezembro, um mês depois de iniciado o caso envolvendo igreja, operários, anticlericais e livres pensadores, uma comissão dos operários chapeleiros de São Paulo se reuniram às sete horas da manhã no Largo da Sé para seguir à estação do Braz e vir até Mogi das Cruzes realizarem uma passeata ao cemitério e demonstrar seu apoio aos operários de Mogi.

A solidariedade operária caminhava para as greves gerais de 1917, 1919, na cidade de São Paulo.



Os pseudônimos

O livre pensador que publica artigo no jornal O Ypiranga e que é republicado no Livre Pensador em 1904, assina Gregório VII.O papa Gregório VII foi o responsável por desencadear  uma série de práticas reformadoras na Igreja nos séculos XI e XII.

Um dos correspondentes em Mogi do jornal anticlerical A Lanterna, que cobre intensamente o caso da fuga do padre Freitas, assina “ex-seminarista”.Provavelmente é o mesmo ex-religioso que fazia parte da comissão que trouxe a anarquista e anticlerical Belen de Sárraga para palestra no teatro.
jornal A Lanterna:anticlerical e de combate

Protestantes: Neste período de novas ações, costumes e pensamentos na cidade, devemos acrescentar que a primeira Igreja Batista de Mogi das Cruzes foi fundada em 12 de junho de 1911, quando contava com 34 membros batizados nos anos anteriores.Foi organizada por um ferreiro e teve como primeiro pastor o norte-americano J.J. Taylor.Por ser organizada por um ferreiro nota-se a proximidade com setores que ficavam fora do centro onde gravitava a Igreja Católica.


Livre pensadores
: aquele que, em matéria religiosa, pensa sem subordinação a dogmas.


Nota 1: Mateus 24:10


Para saber mais

SILVA, Eliane Moura. MAÇONARIA, ANTICLERICALISMO E LIVRE PENSAMENTO NO BRASIL (1901-1909). XIX Simpósio Nacional de História da ANPUH, Dep. de História / IFCH / UNICAMP


Fontes:
Livro do Tombo da Cúria Diocesana de Mogi das Cruzes
Jornais: A Vida 25/06/1911, O Livre Pensador 24/04/ 1904, A Lanterna, dezembro de 1912

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Caminhos Antigos XXVII


As gratas memórias de Dona Nena

Numa manhã de domingo, no final de outubro de 2013, durante encontro de autos antigos em Sabaúna, distrito de Mogi das Cruzes, uma senhora a porta de sua casa, em frente à estação ferroviária, olhava o movimento e falava: ”Está bonito”.

Dona Nena, que nasceu em Sabaúna em 13 de outubro de 1919, 94 anos, vivenciou ao longo de seus quase cem anos de vida, a essência do lugar.

Atuou durante anos como telefonista, lugar privilegiado para conhecer a vida de negócios que girava em torno da lavoura e do comercio, pois dela dependia a comunicação quando caminhava nas estradas de terra para dar recados aos que faziam negócios com as praças de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Viu o núcleo colonial, que fora constituído no final do século XIX, abrigar no século XX uma lavoura diversificada traduzida no movimento dos carros de boi com jacás(1), repolho, pêra e pimentão, e também o aparecimento de algumas fábricas como a de pólvora, mais tarde, o lanifício e atualmente a fábrica de materiais elétricos.
jacás

Suas lembranças começam com o pai que veio de Portugal, a mãe da Itália. Com apenas um ano e meio de idade perdeu seu pai, em acidente na pedreira de Sabaúna, quando num feriado foi chamado para trabalhar na extração de pedras, pois a Central do Brasil, dona da pedreira, construía e finalizava a Estação de Cesar de Souza.

Após este acidente, foi morar com seu avô, num sitio, onde ajudava a cuidar da lavoura e na criação de bicho da seda, típico trabalho na terra de pequenos proprietários rurais onde o núcleo familiar constituía a base da mão de obra, o que hoje chamamos por agricultura familiar.

Hoje o país reconhece a importância deste tipo de agricultura e segundo Maria Nazareth Wanderley da Universidade Federal de Pernambuco, “o caráter familiar desse modelo de agricultura não é um mero detalhe superficial e descritivo, mas o fato de uma estrutura produtiva associar família-produção-trabalho tem conseqüências fundamentais na vida da família envolvida... cujos fundamentos são dados pela centralidade da família, pelas formas de produzir e pelo modo de vida.”

A alimentação do dia a dia era retirada daquilo que se plantava para comercializar (batata, repolho, marmelo, etc.). A marmelada colocada em caixas de madeira quando pronta passava por fogão a lenha, sendo a massa do marmelo cozida em tachos de cobre e mexido com uma grande “pá” de madeira.

Como não podia deixar de ser em área de imigração, macarrona e polenta no Domingo, durante a semana arroz, feijão e uma mistura, batata, repolho, batata doce e/ou milho. O cuscuz, comida típica brasileiro-americana, sempre de milho, mas, com variações de norte a sul do país, passou por uma adaptação: incorporava em sua massa, os bagres de um rio no bairro da Lagoa Nova, onde um senhor trazia os peixes em covos (armadilha de pesca).

Quando não chovia aqueles que tinham lavoura, se juntavam e faziam procissão pedindo chuva para a plantação. O cortejo tinha que passar por três rios (fonte de água) e iniciava levando uma imagem de Nossa Senhora do Carmo passando em primeiro lugar o rio da Pedreira, seguia pelo ramal e depositava a santa numa capela entre o final do ramal de Sabaúna e a Mogi-Guararema. Quando chovia voltavam para buscar a santa. E “dava certo” no dizer de Dona Nena.

Sobre as procissões, dentro das tradições e religiosidade popular, em comunidades agrárias, diz o folclorista Melo Moraes Filho: “Esses atos religiosos, essas rogações para pedir chuva, anunciados depois da leitura dos pregões pelo pároco da freguesia eram na pluralidade das vezes realizados exclusivamente pelo povo, que acudia espontâneo a aplacar o castigo do céu por meio de demonstrações humildes, de sacrifícios dolorosos, de rezas específicas.”

A diversão ficava por conta dos bailes como o do lencinho, do lampião, da vassoura, do cuscuz, fora o cinema e o teatro. Em outras ocasiões a Festa de Santa Catarina, bairro rural próximo a Sabaúna, era o destino de grupos de mais ou menos dez pessoas com carro de boi à frente carregando as comidas para o “pic nic”, pastel e outros, limonada adoçada com mel, cada família levando alguma coisa. O mel produto típico de um núcleo colonial e da propriedade e produção de colonos, fazia parte das produções do avô de Dona Nena e da dieta caseira com o pão feito em casa com fermento natural recheado com mel.

ovos bicho da seda

Sobre o mel e o bicho da seda


Desde a chegada da família real em 1808 e mais especificamente em 1820 a imigração para a pequena propriedade era incentivada para introduzir novos cultivos e criações no país. Neste início de século XIX, no tocante à produção de mel, a vantagem, em termos de rendimento, da abelha européia ou italiana, era ressaltada frente às abelhas até então existentes no Brasil, dentre elas a Jataí conhecida em São Paulo.

Em relação ao bicho da seda, sua criação era estimulada em Portugal desde pelo menos 1803, quando da publicação de manual que orientava os agricultores quanto à plantação de amoreiras e o método para criar o bicho da seda, ressaltando a relação tipo de amoreiras – qualidade da seda. Já no Brasil a indústria da seda teve início com a Imperial Companhia Seropédica Fluminense ainda nas décadas iniciais do século XIX, e mais tarde tendo D.Pedro II como acionista.
larvas do bicho da seda


Durante o Império um manual agrícola orientava o agricultor para a criação do bicho da seda ou sericicultura, com título “Memória sobre a sericicultura no Império do Brasil” de 1860, talvez o primeiro tratado zootécnico escrito no Brasil.

Dentro desta ótica, na década de 1870, várias perguntas são enviadas pelo governo à câmara de Mogi das Cruzes pedindo informações quanto à existência de criação de abelhas, de bicho da seda, institutos, passeios, escolas agrícolas, jardins botânicos, visando à instalação de um núcleo colonial.

Em Sabaúna, na criação do bicho da seda, o avô de Dona Nena era o único criador e estava embasado em literatura técnica agronômica de livros editados em Portugal.
literatura técnica agronômica
A produção começava com uma carta enviada para Campinas (possivelmente o Instituto Agronômico) pedindo os ovos, pois, desde maio de 1923, naquela cidade, fora criada a Indústria de Seda Nacional, sendo incorporada as indústrias reunidas Francisco Matarazzo em 1935.

Quando chegavam de Campinas, eram depositados em local específico e aí as “sementes”, segundo Dona Nena, começavam a se desenvolver com a eclosão do ovo e folhas de amora para alimentação das larvas, “picadas bem fininhas como couve”. Quando as larvas estavam grandes as folhas já não necessitavam serem picadas com tanto esmero, podendo ser grandes. Com mais ou menos dez anos de idade, Dona Nena saía para colher as folhas da amoreira ressaltando que “na chuva não podia, não podia molhada”.

As lagartas eram colocadas em lugar forrado com jornal, dispostos em prateleiras “como beliche”, depois de dias trocava-se o jornal para fazer a limpeza. A seguir as lagartas começavam a construir seu casulo em folhas de samambaias do mato colocadas no lugar de criação e num movimento constante da cabeça, a lagarta produzia um casulo em volta de si.

Terminados os casulos, “todos juntos feito algodão”, começava a recolha e seu reenvio para Campinas, para beneficiamento. Este processo final tinha um determinado tempo e “tinha que ser rápido se não o bichinho furava o casulinho e não dava para tecer” diz Dona Nena e todo o trabalho estaria perdido com a larva furando o casulo e virando borboleta.

São as memórias de quem viveu um longo século XX e início do XXI e viu as transformações. O início como núcleo colonial que recebia trabalhadores da terra e de além mar e hoje a luta para manter um patrimônio vivo, não só prédios, mas o lugar e sua gente.


Lavoura

Dona Nena quando se refere às plantações de seu avô, tio ou famílias de Sabaúna utiliza sempre a palavra Lavoura. É o correto.

Lavoura vem de labor que significa trabalho, esforço e em alguns casos sofrimento. O trabalho ou o esforço para preparar a terra e cultivá-la é trabalho humano por excelência.

O passado imigrante está presente na utilização do termo.

Por sua correção, neste texto foi mantida a expressão lavoura, em detrimento de agricultura, cultivo, etc. palavras mais utilizadas hoje em dia.


(1) Jacá (adajaka ou aya'ka etimologicamente deriva do Tupi e significa cesto, mais particularmente os grandes cestos cargueiros elaborados com finas fasquias de taquara). O termo é freqüentemente utilizado pela população rural tradicional do Alto Tietê.



Para saber mais

Revista Jangada Brasil http://www.jangadabrasil.com.br/julho/cp11070a.htm
NANNI, Ângelo E.N, Entre o sonho e a realidade: a constituição do núcleo colonial de Sabaúna.

WANDERLEY, Maria N. B. O mundo rural como espaço de vida: reflexões sobre a propriedade da terra, agricultura familiar e ruralidade.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Caminhos Antigos XXVI


Vista do centro de Sabaúna (sede do antigo núcleo colonial)

O cotidiano dos imigrantes em Sabaúna no final do século XIX

Com a Lei de Terras de 1850, a fazenda Sabaúna que proporcionava o sustento do convento dos padres do Carmo em Mogi das Cruzes, iria ter outro destino.

Essa lei estabelecia que as aquisições de terra somente se dessem por compra e a questão da imigração aparecia em seu texto: “O governo fica autorizado a mandar vir anualmente à custa do Tesouro certo número de colonos livres para serem empregados pelo tempo que for marcado em estabelecimentos agrícolas...ou na formação de colônias nos lugares em que estas mais convieram”.

Lotes urbanos (centro da planta) e rurais

Regulamentada em 1854, definia as características de um núcleo colonial ao estabelecer lotes urbanos e rurais, traçado de ruas e praças com “regularidade e formosura das povoações.”

Em 1876 é organizado o órgão especifico para cuidar das questões de terra e colonização com a função (entre outras), de “fundação de povoações e distritos coloniais.”

Estava aberto o caminho para os imigrantes estabelecerem-se em núcleos coloniais e a pequena propriedade era a “isca” para atrailos.

Corria o ano de 1887 que registrou o maior número de entrada de imigrantes durante o Império, tendo a Província de São Paulo recebido 32 mil deles e diante desta situação o Ministério da Agricultura estabelecia, no mesmo ano, a criação de núcleos ao norte da Província (Vale do Paraíba), tendo sido autorizado “em terrenos adquiridos da Ordem Carmelitana entre as estações de Mogi das Cruzes e Guararema”, o funcionamento de um dos diversos núcleos. Os outros na cidade de Jacareí (núcleo fazenda Boa Vista) e Quiririm em Taubaté.

Conforme diz o sociólogo José de Souza Martins em Subúrbio, “O espaço adequado da colonização era, ... o que viabilizava uma sociedade de pequenos produtores de mercadorias. Nesse sentido, o local dessa sociedade acabará por ser um local satelitizado pela cidade, dela próximo ou dependente”.


Chegam os imigrantes em busca da “terra prometida".

No contexto das políticas imigratórias, as propostas seduzem imigrantes italianos, espanhóis, portugueses, etc., atraídos pela propaganda que parecia lhes concretizar um sonho.

O discurso sobre o espaço a ser conquistado incutia no imigrante a “imagem” do lugar que ele ocuparia, expondo as vantagens que ele encontraria, sendo possível a sua sobrevivência e a constituição daquilo que ele perdia em seu país natal.

Dar condições aos imigrantes de acesso a terra depois de ter acumulado algum dinheiro na fazenda de café ou de outro modo, fazia dos projetos de criação de pequena propriedade uma “isca” para atrair imigrantes. Isca porque as terras, impróprias para a atividade dominante no setor econômico voltada para a exportação (café), seriam valorizadas, ao mesmo tempo em que cidades próximas seriam abastecidas com produtos oriundos da agricultura.

Para o imigrante que se dirigia para o Brasil, ser dono de um pedaço de terra, trabalhar nela e tirar o sustento da família, era o seu ideal máximo. Em toda a Europa a situação era de crise e, para exemplificar, na região do Vêneto na Itália, a produção cobria as necessidades de sustento da família apenas durante meio ano, portanto, havia a necessidade de emigrar procurando melhores condições de vida, o que era reforçado pela propaganda enganosa.

Na propaganda de arregimentação do imigrante realizada na Europa, em 1884, o agente Gaetano Pinto estava autorizado a prometer aos imigrantes “além de passagem gratuita do porto de desembarque à sede da residência escolhida, terra, sementes, alimentos, por mais de seis meses, poderiam tornar-se proprietários assim que tivessem dado provas de estabelecimento fixo”.
Comparação foto aérea atual e planta 1906

Outro exemplo é o Guia de Emigrante para o Império do Brasil, escrito pelo Inspetor Geral de Terras e Colonizações, Accioli de Vasconcelos, em 1884: “A boa qualidade das terras que lhe são distribuídas, os recursos que encontra para a venda dos seus produtos, já nos caminhos que rodeiam seu lote, já nas vizinhanças das povoações por onde passam as estradas gerais... tudo concorre para que o imigrante possa efetuar muito suavemente o resgate de sua dívida, obtendo o desejado título que o leva a dono absoluto de seu lote”.

Mas a realidade era outra, a qualidade das terras era questionada em relatório de inspetor de terras e colonização: ”o solo coberto de pastos nativos e inçados de cupins...indica terras cansadas ou de má qualidade.”

Dividido os lotes rurais em 1º, 2º, e 3º distritos, o Estado reconhecia serem de má qualidade as terras do 2° e 3º distritos, reduzindo em 40% o preço de venda inicialmente fixado. Ao colono era distribuído um composto químico de adubação conhecido como Liebig, no entanto, sem orientação técnica seu efeito era nulo.
Planta do núcleo com os três distritos 1906

O título provisório de propriedade dependia do julgamento e parecer do encarregado que se deslocava pelo núcleo informando sobre atitudes, moral, trabalho, composição familiar dos colonos, informações como “este colono é insubordinado” ou “é dos grevistas do tempo do ex-encarregado”. Esta informação dada pelo encarregado poderia decidir se o colono ficaria ou não no núcleo, podendo ser excluído pelo presidente da Província e seu lote colocado à venda.

Ao mesmo tempo as ações coletivas dos colonos foram fundamentais para solucionar problemas como a falta de caminhos entre as centenas de lotes rurais dos três distritos projetados, sendo que, após os quatro anos iniciais do núcleo de Sabaúna, ainda não havia a demarcação completa dos lotes urbanos ou, em outro caso, dotar o núcleo de uma estação para escoar os produtos, após as reivindicações que resultaram em uma comissão para tratar do assunto junto ao governo do Estado, em 1892.

As ações e a organização dos colonos negavam as facilidades propagandeadas na Europa.

Saúde, Alimentação e Moradia

Nos anos iniciais do núcleo (1889-1893) quando se estabeleceram as primeiras levas de colonos, a farmácia existente era requisitada para curativos imediatos e consumia em alguns casos o que pode receber o nome de alimentação reconstituinte.

O médico visitava a colônia e registrava sua presença em livro próprio nos anos de 1891,92,93 depois, problemas com saúde eram tratados na cidade de Mogi das Cruzes ou na Santa Casa de São Paulo, com passagens de colonos pela Hospedaria dos Imigrantes. Nos anos iniciais os remédios obtidos na farmácia e debitados nas contas dos colonos mostram o tipo dos medicamentos.

Na farmácia os colonos pegavam água florida, vidro para curativo dos olhos, remédio para queimaduras, vaselina e vaselina canforada para batidas, remédios para suador usado contra a febre, hydrolito de Ailco que era água destilada e álcool e segundo a medicina tinha apenas efeito psicológico.

Mostrando o estado em que se encontrava a saúde dos colonos constava de seus gastos a alimentação que se compunha de produtos que eram utilizados para recomposição alimentar. Consumiam-se vinho quinado, vinho de Peptona elemento obtido em laboratório químico e usado para alimentação reconstituinte, farinha de mayzena feita de amido de milho e utilizada para fazer mingau, potes de Bismuth e finalmente a farinha Láctea cujos “poderes” eram ressaltados em anuncio do jornal A Província de São Paulo em 02 de julho de 1876 sob o titulo AMA de LEITE :“Farinha Láctea Nestlé- O trigo, sendo um dos melhores alimentos que o homem possui, o Sr Nestlé procurou usar do trigo a parte mais indigesta para oferecer aos estômagos os mais debilitados uma nutrição mais assimilável, debaixo do menor volume possível. A farinha de trigo, assim cientificamente preparada muida o melhor leite da Suíça tem constituído um alimento incomparável.”

A alimentação cotidiana fornecida e debitada para os colonos era composta de milho, feijão e, às vezes batata. Utensílios para cozinha eram fornecidos e cobrados como a caçarola, chaleira, caldeirão e instrumentos para trabalho na terra.

As casas eram construídas por conta dos colonos que recebiam os materiais do Estado para débito em suas contas. Eram feitas com tijolos oriundos de olarias na região da colônia e de fora do núcleo vinham as portas para a casa, pregos, telhas, fechaduras e vigotas para janela.

Também constava do material de construção o item, folhas de zinco, que poderia ser utilizado na cobertura de um barracão, chiqueiro ou galinheiro conforme a criação a que se dedicassem.

O nucleo irá se desenvolver e crescer em torno da auto organização dos colonos, seja com abaixo assinados para cancelamento de dívidas, com a produção de novos cultivos, seja na ajuda entre colonos com a Cooperativa de Socorros Mutuo de Sabaúna, o que faz com que imigrantes continuem a chegar no início do século XX, saindo de uma Europa onde a I Guerra Mundial se aproximava.

Em carta de chamada os filhos em Sabaúna, os pais em Zaragoza, Espanha, esperavam se unir:”Sabaúna-1912.Queridos pais, saúde lhes desejamos em companhia de toda familia...escrevam dizendo se embarcam no dia 8 de agosto ou 28 para esperalos em Santos...se não venderam e não fizer falta vender tragam os colchões que aqui fazem muita falta...não demorem...e vocês recebam o coração desses filhos e netos que os querem de todo o coração e os esperam com muita saudade por que os dias parecem anos.”
Carta de chamada Sabaúna 1912


Lei de Terras 1850

Ao contrario da política de terras do Brasil Colônia, onde a Coroa portuguesa concedia terras condicionadas à sua ocupação (sesmarias), a Lei de Terras do Império do Brasil (lei nº601) estabelecia uma nova política quando da ocupação de terras devolutas a partir de compra.

Esta nova política esteve intimamente ligada à imigração como forma de trazer imigrantes como trabalhadores nas grandes fazendas de café ou em núcleos coloniais abastecedores das cidades. Na expressão consagrada pelo sociólogo José de Souza Martins, o trabalhador colocava-se sob o “cativeiro da terra”.


Fontes

Arquivo do Estado de São Paulo, Livro de conta dos imigrantes 1890 – 1893, caixas Sabaúna

Relatórios:Inspetoria Geral de Terras e Colonização


Para saber mais:


ALVIM, Zuleica M. F. – Brava Gente, São Paulo , Brasiliense, 1986

MARTINS, José de Souza – O cativeiro da Terra, São Paulo, Hucitec – 1989

MARTINS, José de Souza – Subúrbio, São Paulo, Hucitec – 1992

NANNI, Ângelo E.N, Entre o sonho e a realidade: a constituição do núcleo colonial de Sabaúna.

PETRONE, Maria T.S. – O imigrante e a pequena propriedade, São Paulo, Brasiliense – 1985

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Caminhos Antigos XXV


Empório na estrada da fazenda Sabaúna. Thomas Ender 1817
Sabaúna: de fazenda dos padres a núcleo de imigrantes

Alguns caminhos começam no além mar.
O imigrante que veio para o Brasil no século XIX, para trabalhar nas fazendas de café ou núcleos coloniais, guarda uma similaridade com o emigrante do Brasil de hoje, que vai para o Japão, Europa ou EUA: todos respondem a uma expectativa de viver e ocupar um mundo de oportunidades e esperanças.
Em um país de latifúndios, os núcleos coloniais eram pequenas propriedades de terra, implantadas pelo Estado, que se encarregava de vender estes “terrenos coloniais” ao imigrante recém ingresso. Em Mogi das Cruzes, Sabaúna foi o destino destes imigrantes.
O pequeno distrito, está situado à 60 Km de São Paulo, na direção leste, já na área de influência do Vale do Paraíba, mas pertencente, enquanto distrito, ao município de Mogi das Cruzes (Alto Tietê). Lá está a pequena estação de trem, de arquitetura inglesa, do início do século XX, o pequeno centro comercial em frente à estação, o lanifício que estava desativado e hoje funciona como uma fábrica de materiais elétricos.
O traçado da Estrada de Ferro Central do Brasil cortava ao meio esta localidade denominada Sabaúna. A primeira vista, a ferrovia foi o determinante para a escolha deste espaço físico para a implantação do núcleo de imigrantes em uma fazenda de padres carmelitas, cujas terras foram obtidas em 1627.
Simples e incompleta esta afirmação, porque as razões da escolha do local para a instalação do núcleo colonial em Mogi das Cruzes são bem mais complexas.
Apenas para tomarmos um exemplo e retornarmos no tempo, já em 1823, por uma lei de 20 de outubro fora concedida às ordens religiosas o “direito de adquirir, possuir sem limitação de tempo... bens de raiz” (terras). No entanto por aviso de 5 de novembro de 1840, onde o Império reconhecia serem “os conventos legítimos proprietários dos bens adquiridos por seus religiosos, não podiam tais bens ser-lhes entregues no caso de falecimento dos mesmos religiosos”.
Finalmente o que muito vai contribuir para o futuro núcleo ser instalado em terras carmelitas está no Aviso de 19 de maio de 1855 que “proibia a admissão de noviços nos conventos do Império”. Após esta decisão, as Ordens Religiosas caminhavam de forma inexorável para sua extinção. Deduz-se daí as limitações impostas às ordens religiosas de terem a hereditariedade das terras a elas concedidas pelo governo e os impedimentos aos novos noviciados.
Por fim, leis de 1869 e 1870 forçavam a conversão dos bens das ordens religiosas em apólices da dívida pública. Nesta ótica, a desapropriação da fazenda para a instalação do núcleo segue uma política coerente, como demonstra a serie de leis citadas.
A partir de 1870, vários são os ofícios dirigidos pela Câmara de Mogi das Cruzes em resposta às perguntas do governo provincial sobre a existência de terras devolutas no município, sugerindo a instalação de um núcleo colonial em um lugar chamado campos do Santo Ângelo, onde as terras também eram de religiosos.
De modo inverso, nesta mesma década, circulares são enviadas pelo governo da província à câmara de Mogi das Cruzes pedindo informações quanto à existência de criação de abelhas, de bicho da seda, institutos, passeios, escolas agrícolas, jardins botânicos, visando à instalação de um núcleo colonial.
Observamos desde esta época a especulação imobiliária efetuada por pessoas que detinham informações sobre as políticas a serem implantadas. Tal evidência nos é fornecida por documentação que nos informa que durante a década de 1870 se deu intensa compra de terras públicas no local denominado Santo Ângelo (atual Jundiapeba), por parte de dois vereadores. Tais personagens, somente em 1878 serão denunciados pela Câmara na legislatura daquele ano.
Em 1881 a possibilidade de o núcleo colonial ser nas terras do Santo Ângelo ganha o reforço do periódico “A Gazeta de Mogy das Cruzes, que em defesa conjunta com a Câmara Municipal publica artigo a respeito de núcleos agrícolas e as vantagens  que o governo da província poderia vir a ter caso adquirisse as terras da “campina do Santo Ângelo que temos na proximidade d’esta cidade”.
No mesmo ano menciona-se pela primeira vez a fazenda Sabaúna para fins de instalação de um núcleo.
“aquela referida fazenda para o estabelecimento de um núcleo colonial e escola agrícola, d’onde se poderia tirar ótimos resultados, já por que utiliza-se uma grande quantidade de terrenos adaptados a toda espécie de culturas
A escolha da fazenda Sabaúna para a instalação de um núcleo não ocorre por mero acaso, pois como no caso de núcleos instalados em terras de religiosos em São Paulo, a fazenda (propriedade do Carmo), era, segundo as leis do Império, domínio do Estado, e as Ordens Religiosas quanto a seus bens, meras detentoras e usufrutuárias de um patrimônio.
O núcleo colonial será constituído fundamentalmente por imigrantes. Sua população será heterogênea, pois além dos antigos habitantes da região (ex foreiros do Carmo), abrigará  espanhóis, portugueses, italianos, franceses, belgas, alemães, russos, etc. Ao contrário de outros núcleos que serão ocupados majoritariamente por italianos, em Sabaúna o número de espanhóis será superior.
Com a aquisição das terras em troca de títulos da dívida pública, o Estado começava a efetivar o seu projeto de colonização, tendo início a 23 de abril de 1889 o trabalho de medição da fazenda, e a 12 de dezembro do mesmo ano dava-se início à colonização.
A topografia do núcleo colonial de Sabaúna não era favorável a grandes culturas devido a seu relevo acidentado onde o Estado fixava o preço do metro quadrado (m2) em 1.66 réis, sendo que os lotes de imigrantes variavam de 50.000 a 300.000 m2 (1), em média, enquanto as maiores propriedades estavam concentradas nas mãos de ex-foreiros da ex-fazenda do Carmo, sendo que a superfície dos terrenos ocupados por ex-foreiros variava de 868.500 m2 a 2.300.000 m2.
De uma fazenda que sustentava o convento, em que trabalhavam arrendatários e foreiros, cuja base produtiva era o trabalho escravo, passava a ser um espaço dividido em parcelas (lotes) e vendido para colonos.
Planta do núcleo 1906

Em todas as áreas de colonização previa-se lotes rurais e lotes urbanos, sendo que estes deveriam formar o núcleo urbano, e esperava-se que concentrassem a administração, o comércio, a escola, igreja e outras atividades, mas, em 1893 ainda não havia a demarcação correta.
Ao chegar os imigrantes eram alojados provisoriamente em construções da antiga fazenda carmelita e iniciavam a escolha do lote colonial. Com a constante chegada dos colonos o administrador alojava-os também na escola do núcleo. Diante dessa situação a professora Joaquina da Gloria Pereira, professora pública da escola mista e residente no núcleo, em 1892, enviou requerimento à Delegacia da Inspetoria Geral de Terras e Colonização dando conta de não poder lecionar por causa do alojamento de famílias de imigrantes no ex-convento onde funcionava a escola.
E assim iniciava a vida do imigrante, que cruzou o Atlântico em busca da esperança.
Muitos não sabiam escrever e valiam-se dos serviços do ex-feitor da fazenda do Carmo. Trabalhando agora como funcionário do Estado passava a ser considerado o feitor do núcleo. Era ele quem se encarregava de redigir as petições de terras para os colonos e aproveitava para negociar benfeitorias que havia realizado em lotes vagos que eram adquiridos por colonos novos.
Escolhido o lote, o colono passava a se preocupar com a produção agrícola para saldar a compra e receber o título de posse definitivo e aí constatava que esta não era sua única divida, pois, incluído nas contas a pagar, estavam os gastos de cada colono com saúde, alimentação reconstituinte, construção da moradia, auxílios, adiantamentos e multas.
Além das dividas com que não contava, o colono tinha que enfrentar nos anos iniciais do núcleo a falta de comunicação entre os lotes, pois haviam apenas caminhos e picadas, além das dificuldades quanto ao contato do núcleo e outras regiões, diferente do que era propagandeado na Europa para atrair o imigrante.
Assim em 6 de outubro de 1891, em requerimento ao governo e em 12de novembro de 1891 em requerimento enviado ao Secretário da Agricultura, os colonos pediam a instalação de uma estação ferroviária para escoamento de sua produção.
Como estes requerimentos não foram atendidos, no dia 31 de julho de 1892, foi feita uma reunião que nomeou uma comissão, composta por Zolozoski (capitão da Casa Imperial Russa), Vicente Riqueti, Felix Ortega, J.Arbulo, Carmine Palumba e Antonio Granado, para apresentar ao governo do Estado, um terceiro requerimento. Assinavam esse documento 56 colonos e a organização coletiva marcava os primeiros tempos de vida e dificuldade no núcleo.
Entre o sonho estimulado pela propaganda e as condições encontradas haverá uma grande diferença. O sonho do imigrante era possuir uma pequena terra para lavoura e do que lhes fora prometido, restava apenas o local de moradia e a perspectiva de trabalharem na construção de sua realidade, junto aos antigos moradores, ex-foreiros do Carmo.
Pedreira de Sabaúna, explorada pela Central do Brasil.
Os colonos cuidavam como podiam da vida, no entanto, a municipalidade cuidava dos mortos. Theodoro, 6 meses, filho de Jerônimo Arbulo, um dos primeiros imigrantes é enterrado no cemitério de Mogi das Cruzes, sendo o enterro pago pela municipalidade e no mesmo ano de 1902, mais dois sepultamentos de recém - nascidos eram realizadas em Mogi das Cruzes, provenientes de Sabaúna e pagos pela municipalidade.

Nota 1 O valor do lote variava de R$ 4.150,00  a R$ 24.900,00 aproximadamente.

Para saber mais
NANNI, Ângelo E.N, Entre o sonho e a realidade: a constituição do núcleo colonial de Sabaúna.

Fontes
BARBOSA, Ruy, Os antigos conventos e seus bens
Arquivo Histórico de Mogi das Cruzes, Atas da Câmara, Livro de ofícios 1874 – 1899
Arquivo do Estado de São Paulo, Livro de conta dos imigrantes 1890 – 1893, caixas Sabaúna

domingo, 1 de dezembro de 2013

Caminhos Antigos XXIV

Pelos morros dos sete pecados mortais até Nossa Senhora da Escada

Páteo da Freguesia da Escada, outrora aldeamento indígena
Distante de Mogi das Cruzes alguns quilômetros, em direção a Guararema, encontramos um lugar chamado Freguesia da Escada.
Nossa história começa quando caminhos, fazendas e habitações começam a figurar na paisagem da região da Freguesia da Escada.
Desde que fora descoberto ouro nas Minas Gerais e esta capitania tornou-se um dos centros de interesse na colônia, o caminho do Vale do Paraíba, subindo a Mantiqueira, era o mais utilizado e dele já se dava o roteiro ao descrever, no início do século XVIII, a etapa Mogi das Cruzes - Jacareí citando o ribeirão Guararema ladeando o caminho que seguia até a Escada.
cadeirinha de transporte
Em 1717, no diário de viagem do conde de Assumar a utilização do caminho entre Mogi das Cruzes e Jacareí para ganhar o Vale do Paraíba e daí rumarem em direção às Minas Gerais é descrito relatando as dificuldades do terreno. Acompanhado somente do Capitão -Mor da vila de Mogi, Sua Excelência, o Governador caminhou cinco léguas, sempre em cadeirinha e por caminho muito ruim.(1) E depois de passarem por sete morros, conhecidos como os sete pecados mortais chegaram a uma aldeia de índios de El Rei, sob a invocação de Nossa Senhora da Escada e administrada por uma pessoa nomeada pelo governador.
Na verdade a aldeia de índios de El Rei, citada neste relato, era um aldeamento povoado por indígenas transportados para esta região por iniciativa particular, ficando o local sob a invocação de Nossa Senhora da Escada conhecido como Aldeamento da Escada. A expressão aldeamento é utilizada pelo geógrafo Pasquale Petrone para definir núcleos de habitação com origem religiosa ou leiga, que foram criados, diferente dos espontâneos como as aldeias indígenas, pois, “implica a própria noção de processo de criação de núcleos ou aglomerados, portanto, inclusive, a idéia de núcleo criado conscientemente, fruto de intenção objetiva” dentro do processo de colonização do Brasil.
Fundado por iniciativa privada na primeira metade do século XVII, este aldeamento fazia parte das Aldeias do Padroado Real, sendo regidos por seculares e passando em 1735 para a administração dos franciscanos.
Segundo o historiador Boris Fausto a Igreja “tinha em suas mãos a educação das pessoas e o controle das almas, na vida diária era um instrumento muito eficaz para veicular a idéia geral de obediência e, em especial, a de obediência ao poder do Estado. Na atividade do dia a dia, silenciosamente e às vezes com pompa, a Igreja tratou de cumprir sua missão de converter índios e negros, e de inculcar na população a obediência a seus preceitos, assim como aos preceitos do Estado”.
Além das atividades do clero secular, Boris Fausto define a atuação do clero regular que são as ordens religiosas. “A maior autonomia das ordens dos franciscanos, mercedários, beneditinos, carmelitas e principalmente jesuítas resultou em várias circunstâncias. Elas obedeciam às regras próprias de cada instituição e tinham uma política definida com relação a questões vitais da colonização, como a indígena. Além disso, na medida em que se tornaram proprietários de grandes extensões de terra e empreendimentos agrícolas, as ordens religiosas não dependiam da Coroa para sua sobrevivência”.
As ordens religiosas assentavam-se na região, intensificando a ocupação de terras a partir da vila de Mogi das Cruzes e em direção ao Vale do Paraíba, deste modo, são agregadas mais terras obtidas por sesmaria em 1744 e concedida aos índios da aldeia de Nossa Senhora da Escada sob  administração dos padres de São Francisco onde a gleba constava de “uma légua de terras na frente da dita aldea pelo sertão a dentro a saber do ribeirão do Coronel até a pedra que chamam de Itapema”
Com a crescente expansão da colonização, os aldeamentos ganharam importância enquanto núcleos habitados por indígenas os quais se viam compelidos a trabalhar nos espaços de posses de colonos. Como declarava em seu testamento um sitiante da região em 1703, que dizia ter ”um escravo por moça se acha com um filho macho. Possuímos de nosso serviço sete almas de cabelo corredio”.A proximidade destes dois tipos sociais (colonos e índios) resultou na subordinação do indígena ao colono. A partir do século XVIII os aldeamentos “constituíram-se na mais importante reserva de mão de obra que a administração podia utilizar livremente...especialmente a partir do governo de Morgado de Mateus...que passou a empregar maciçamente o serviço dos indígenas aldeados” dizia Petrone.
Além dos trabalhos junto aos colonos a administração pública também impunha aos indígenas aldeados na Escada trabalhos na abertura dos caminhos para o “Cubatão de Santos” e para o Rio de Janeiro.
Os colonos utilizavam os índios como jornaleiros (trabalhadores por jornada). Era um contato que se estendia além do trabalho individual, envolvia a família indígena e mostrava outro grau de submissão: a desintegração da cultura indígena, o que se revelava em situações como a que indicava o padre superior da Escada ao pedir para as autoridades “sustar o caso envolvendo duas indígenas e moradores vizinhos”.
Em outro relato de viajante, o conde de Azambuja (1751), é possível também notar, além dos aspectos físicos do relevo da região, outro aspecto marcante do trabalho no aldeamento, ou seja, existência de matéria prima que possibilitava o trabalho com o barro.Dizia o relato: “...todo caminho é por morro mui alto, muito apique, e de uma qualidade de barro como sabão, quando chove”.
Freguesia da Escada retratada por Thomas Ender 1817
A partir desta realidade se dá a organização da profissão do oleiro, pois o trabalho com o barro e os instrumentos para moldá-lo caracterizam o artesão da região como constatado em documento onde há referência explicita a esta atividade quando um morador da “Capella de N. Sra da Escada” cobrava dívida de “uma thesoira que lhe imprestou e de uma porção de Barro que lhe comprou” ou onde os moradores da Escada referem-se no início do século XIX a um lugar chamado “barreiro” utilizado de forma comunitária por várias famílias para produzir “loiças”, para uso próprio ou para vender, dizendo: “São o pobres Indígenas moradores junto a esta Capela de N. S. da Escada (seguem quatorze nomes e famílias), assim todos Moradores de dentro do pateo como de longe, que desde sua criação, foram senhores, de um lugar chamado Barreiro, onde todos procuram o Barro para fazer louça, para a serventia de suas casas como donde tiram algum dinheiro”.
No século XIX vários viajantes como Spix, Martius, e Saint Hilaire, nos levam a conhecer mais das feições da população e a finalidade que este espaço fora adquirindo.
Cafusa 1817
A viagem de Spix e Martius realizou-se em 1817, percorrendo todo o vale do Paraíba em direção a São Paulo constatou que : ”Na aldeia da Escada, pequena vila três milhas ao sul de Jacareí, situada não distante de um velho Hospício de Carmelitas... Atualmente conta a missão apenas sessenta paroquianos...Pernoitamos em um rancho situado numa planície cercada de matas, pois não podíamos alcançar a vila de Mogi das Cruzes. Nesta região notamos diversas famílias dos chamados cafusos, que são mestiços de negros e índios.
Se no século XVIII grande parte dos aldeamentos apresentava-se em decadência, com o Aldeamento da Escada não seria diferente. No entanto ao transformar os aldeamentos em freguesias abriu-se a possibilidade da instalação de posseiros na região e a desagregação final da vida indígena e seu referencial cultural.
Em 1822 (apenas cinco anos depois da passagem de Spix e Martius), na segunda viagem para São Paulo, August de Saint Hilaire descreveu Nossa Senhora da Escada como outrora aldeia de índios: “Existem tão poucos hoje que não percebi um único nem na cidade nem nos arredores. A maioria das casas cerca uma grande praça e pode-se avaliar quanto é pobre pelo fato de que inutilmente pedi aguardente de cana em várias vendas.”
Hoje o aldeamento e os índios tornaram-se lembranças, e agora freguesia, a Escada abriga restaurantes.

(1) A cadeirinha foi um dos meios de transportes mais utilizados no Brasil Colonial, atingindo boa parte do século XIX.
Para saber mais
Spix e Martius - zoólogo e botânico respectivamente, percorreram de 1817 a 1820 o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, chegando até o vale do Amazonas. Além dos aspectos naturais do país, relataram e retrataram a grande diversidade humana existente. Foram acompanhados pelo pintor Tomas Ender.
Thomas Ender, , pintor austríaco, que acompanhava Spix e Martius retratou uma cafuza entre o aldeamento da Escada e Sabaúna e pintou a freguesia. 
Auguste de Saint Hilaire, naturalista, empreendeu viagens pelo território nacional de 1817 a 1822. Em suas viagens descreveu o aspecto dos lugares onde passou e as condições sociais das populações.
FAUSTO, Boris, História do Brasil, Cia das Letras, SP, 1996
GRIMBERG, Isaac - Viajantes ilustres em Mogi das Cruzes, S.P, Edição do autor, 1992
PETRONE, Pasquale, Aldeamentos paulistas, Edusp, SP, 1995
REIS, Paulo Pereira, Caminhos de penetração da capitania de São Paulo in Anais do Museu Paulistatomo XXXI,1982,S.P.

Fontes
Museu Paulista,SP, "Sesmarias", coleção Arquivo Aguirra
Arquivo Histórico de Mogi das Cruzes, Acervo do Fórum, termo de reconciliação
Arquivo Histórico de Mogi das Cruzes Acervo do Fórum,  termo de conciliação
Fonte da imagen Café História.cadeirinha Disponível em <http://cafehistoria.ning.com/photo/um-dos-meios-de-transporte?xg_source=activity#!/photo/brasil-imperio-escravas?context=user >. Acesso Novembro 2013